Guardava um pedaço do corpo. Tentava sentir o rosto, ouvir a voz. A vontade era aproximar o máximo possível. Eles se encontravam. De um modo aleatório, meio descrente de relacionamento. Só se viam, deixavam as mãos juntas, falavam, sorriam. Quase choravam quando necessário, pelo menos ela. Andando sozinha por ruas mais que conhecidas, cada trecho, cada esquina, cada bar... a memória não filtra. Mantêm preso cada detalhe. Cada palavra se nutre de um sentido absurdo. Ocasionalmente na mesma mesa, ela quase se apropria desse sentimento absurdo que impregna, que invade. Parece que todo o sentido está aqui, nessas poucas horas, nesses dias que eu fico vivendo ininterruptamente até agora. O eu se mistura ao ela. Parece que fica um medo de deixar reconhecível, de ficar claro demais cada um desses sentidos que transparece por aqui. Ele se consagra no suor, nas mãos frias, no nervosismo. As vezes eu acho que ficar longe, e se manter longe, é de fato a melhor alternativa.
Os olhos se abrem ao extremo. O ouvido apurado pra ouvir qualquer um dos sussurros. O nome se prende na memória. Em qualquer lugar que vá, parece o único. Talvez a lembrança tenha de fato o poder de eternizar as coisas.
Vou deixar o corpo fingir por mim. Enquanto eu conto aos poucos e sinto forte demais. Ela era puro medo, pura entrega. Deixava a liberdade extrema se infiltrar pelos poros. Como se cada letra gritasse. Pelo som calmo demais que segue por aqui. Se deixa ficar. Estar. Vai seguindo pela calmaria, se é que possível. Se é que ainda resta tempo. Tem o corpo marcado, a vida meio diluída. Só lembra de uns fragmentos, de uns trechos. Vai preenchendo as lacunas, construindo uma vida nova. Ela não era toda feita de boas histórias. E, aqui, vai tentando pelos dias, pelas horas, pelo tempo renovar o que resta.
O tempo não é preciso. A vida não foi perfeita.
Alterna sentimentos bons e ruins. Vai sonhando mais que sentindo mas, afinal, quem pode dizer que nos sonhos não se vive, não se sente? Pressente. Supõe. Constrói. E mantêm o não querer esquecer. Fica mais forte, o corpo preso à memória. Guarda, assim, os detalhes do que é possível. Se pode sonhar outra vez, que comece agora.
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