quarta-feira, março 28, 2007

aliança

por um segundo pensou em desvencilhar-se de tantos aneis, soltou-os pelo bolso da calça. quase puxando-os de volta na verdade. como ao sair de casa, punha a aliança no porta-luvas do carro, pensando na necessidade de correr até ele qualquer emergência. havia esquecido um remédio, uma pasta, documento, talvez. que importa. sempre lhe voltam os problemas. sempre lhe voltam os meios. um daqueles que lhe coloca a frente toda a fúria. sequer grita o seu "bom dia". sequer tem tempo de bater a porta. julga paredes, copos, pratos e portas...ah, principalmente portas. culpados! são eles, claro, não seria a mulher que amou e guardou e protegeu a vida toda. e não seria ele (ele que não!), aquele poço de compreensão e afeto. nada significava 'guardar' a aliança no porta-luvas do carro, que poderia significar? seu dedo já dolorido de tantos anos. pedia descando por algumas horas. claro, além da porta de casa. além da vista da mulher. diante dela, o mundo rejuvenescia, de certa forma não se pode negar. trazia de volta a obidiência, o medo, o ódio...
" pois não?"
"sim senhora!"

domingo, março 18, 2007

moldura

[construção de cena.] o rosto apoiado nas mãos. era de tanta beleza. de tantos pudores. que ninguém a olhava completamente. sequer de longe. sua moldura, uma janela. de frestas abertas. escura, no meio de um muro amarelo. nada de paisagens habituais. janelas e muros, nada de asfalto...fugindo de composições lógicas. a admiração, afinal, precisa de proximidade. ultimamente só tem escutado sua voz ao telefone. o ruído distante, frases vazias, tantas palavras soltas. jogadas no meio da conversa. gritos. por fim, pontos de exclamação. passava as horas, ali. revezando a mão apoiando o rosto. suspirando. em pedidos e desejos. vai imaginando a vida jogada ao mundo. sem moldura. sem cenários. perdeu sua casa, sua janela, seu muro amarelo...e tudo o que via dali.